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domingo, 2 de março de 2014

Gratidão e felicidade

Suzana Herculano-Houzel
fevereiro de 2014

Que culpa e gratidão são emoções ninguém duvida: quando as sentimos, o coração bate diferente, o corpo muda daquele jeito subjetivo e ainda indescritível, mas que nos deixa com a certeza de que tem algo digno de nota acontecendo. Mais do que mera “coloração” à vida, as emoções de forma geral são hoje reconhecidas como marcadores fundamentais que atribuem valor positivo ou negativo a pessoas, coisas, lugares e acontecimentos – e é em função desse valor que tomaremos nossas próximas decisões.

Felicidade, medo, raiva, nojo e surpresa são emoções “básicas”, automáticas e que não requerem nenhum tipo de avaliação racional ou de envolvimento pessoal. Mas e as emoções morais, aquelas que dependem de julgamento de intenções alheias? Estas, segundo os neurocientistas Jordan Grafman e Jorge Moll, deveriam depender de uma interação entre as partes do cérebro que processam as emoções básicas e outras que fazem o julgamento moral: aquele que, partindo da avaliação das intenções e das ações alheias, nos faz decidir se algo é certo ou errado.

Apoiados na filosofia de David Hume, Grafman, Moll e seus colaboradores supõem que emoções morais dependam da noção de agência, ou seja, de responsabilidade pessoal pelos acontecimentos. Quando algo ruim acontece por conta dos outros, sentimos raiva; mas quando o infortúnio é percebido como resultado das nossas ações (mesmo que não seja!), sentimos culpa, pois nos enxergamos como a causa do problema. Da mesma forma, quando algo de bom ocorre como resultado das nossas ações, ficamos orgulhosos; mas quando algo de bom acontece por ação alheia, ficamos... gratos.

O que acontece no cérebro enquanto isso? Os pesquisadores descobriram que a diferença entre culpa e raiva, orgulho e gratidão de fato depende de partes do cérebro que processam o envolvimento pessoal. No caso das emoções morais positivas, contudo, um achado é particularmente interessante: não importa se a causa do bom resultado é você mesmo ou outra pessoa; em ambos os casos há ativação do sistema de recompensa do cérebro, que nos deixa instantaneamente felizes e satisfeitos. Pensar em algo de bom que nos fizeram é, portanto, uma maneira tão eficaz de nos deixar felizes como fazer algo de bom nós mesmos. A gratidão, portanto, leva à felicidade.

Esta não é uma descoberta exclusiva da neurociência. O monge beneditino David Steindl-Rast vem há anos divulgando uma mensagem de gratidão. Em uma palestra de pouco mais de 14 minutos divulgada recentemente no site TED.com, e sem qualquer apoio audiovisual, o monge nos lembra que todos nós, de qualquer cultura, etnia, credo ou profissão, temos algo profundo em comum: o desejo de ser feliz. E ousa dar uma receita: o caminho mais fácil e imediato para a felicidade é... a gratidão.

É uma mensagem simples e poderosa – e a neurociência assina embaixo. David nos lembra o que é dar graças: é parar por um instante para olhar ao redor e reconhecer as oportunidades que temos, e lembrar que, mesmo se algo dá errado, a vida nos dá a seguir a oportunidade de tentar de novo. Na pior das hipóteses, podemos ser gratos só por essa oportunidade de seguir adiante.

Parar para olhar ao redor e agradecer pelas coisas boas da vida é, portanto, oferecer ao cérebro uma oportunidade de lembrar de tudo o que tem dado certo e ficar genuinamente feliz com tudo isso que não depende de nós. Assim, a gratidão é, por definição, um sentimento de felicidade – mas um que podemos escolher ter a cada instante. É só fazer uma pausa, dar graças (à vida, aos céus, a Deus, ao acaso, às pessoas boas que você conhece, não importa) – e instantaneamente seu cérebro encontrará um momento de felicidade.


Disponível em http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/gratidao_e_felicidade.html. Acesso em 26 fev 2014.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Homem deve indenizar por quebrar promessa de casamento

João Ozorio de Melo
9 de dezembro de 2013

Um homem não pode alegar que manteve um relacionamento de "meretrício", para escapar de suas responsabilidades civis, se o “contrato” entre os dois se baseou em uma oferta de casamento. Com esse entendimento, um tribunal de recursos da Geórgia, nos EUA, manteve nesta sexta-feira (6/12) uma decisão de primeiro grau que condenou Christopher Kelley a pagar uma indenização de US$ 50 mil a Melissa Cooper, por deixá-la, sem casamento, para ficar com outra mulher.

Em 2004, Melissa descobriu que Kelley tinha um relacionamento contra outra mulher e terminou um namoro de alguns anos. Kelley a convenceu a voltar atrás com um anel de US$ 10 mil e uma promessa de casamento, segundo os autos. Mas, em 2011, Melissa, outra vez, descobriu que o companheiro tinha mais um relacionamento com outra mulher. Quando Melissa lhe deu o ultimato, o temido “ou ela ou eu”, Kelly disse “ela”. E a forçou a deixar a casa com o filho do casal e outro filho que ela teve em um relacionamento anterior.

Ela processou o ex-companheiro. Inicialmente, Kelley tentou se defender com o argumento de que nunca formalizou o pedido de casamento, porque jamais fez à Melissa a pergunta: “você quer se casar comigo?”. Mas essa declaração não só bateu contra a palavra dela, mas também contra a “prova do crime”, o anel de noivado — muito caro, aliás. Além disso, ficou comprovado que, naquele momento, ela deixou o emprego e foi morar com ele, para se dedicar a cuidar da casa, do filho do casal, do filho dela e do companheiro.

No tribunal de recursos, Kelley apresentou uma alegação com bases mais jurídicas. Argumentou que, se houve uma promessa de se casar com Melissa Cooper, isso aconteceu em um relacionamento “meretrício”, em sua natureza, e, portanto, não executável. Sustentou essa defesa com um precedente da Suprema Corte da Geórgia, segundo o qual “um casal que, sem casamento, mora junto em uma união sexual mantém um relacionamento meretrício”. De acordo com definição do dicionário Merriam-Webster, mencionada no caso, o adjetivo “meretrício” significa “ter a natureza de prostituição”.

Em seu voto, a maioria (cinco juízes em um painel de sete) explicou que “a defesa baseada em relacionamento meretrício é tipicamente declarada em alguns casos em que há uma quebra de acordo financeiro entre as partes, no qual é “contratado” uma troca de coabitação por relações sexuais”. Mas tal defesa não é aplicável, “quando o objeto do contrato não é ilegal ou contra a política pública”.

“O objeto de tal promessa [de casamento, no caso perante o tribunal] não é ilegal ou contra qualquer política pública”, escreveu a juíza Elizabeth Branch em nome da maioria. “Além disso, o Legislativo da Geórgia já deixou bem claro que o casamento é uma instituição encorajada pela lei”, dissertou a maioria, para explicar que a promessa de casamento feita à mulher não pode ser entendida, afinal, como uma moeda de troca de coabitação por favores sexuais.

Os juízes concluíram que as alegações de Kelley podem ser interpretadas como uma admissão de que ele nunca pretendeu, realmente, se casar com Melissa. Mas fez com que ela deixasse o emprego para cuidar da casa, dos filhos e dele, segundo o site Courthouse News Services, ABC News e outras publicações.

Mas o presidente do tribunal, juiz Herbert Phipps, com apoio do juiz John Ellington, discordou parcialmente da maioria. Escreveu que as provas não mostram que Kelley não tinha a intenção de se casar com Melissa, à época da proposta de casamento. “Além disso, Melissa admitiu que teve um caso com outro homem, em um certo ponto do relacionamento. Isso indica que a fraude não pode ser comprovada com base nesses fatos e Kelley deveria ter direito a um novo julgamento”.

Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-dez-09/americano-obrigado-indenizar-quebra-promessa-casamento. Acesso em 10 dez 2013.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Controlando o preconceito

Suzana Herculano-Houzel
06 de agosto de 2012

Ser capaz de analisar e responder às circunstâncias de maneira imparcial, desvinculada de preferências, de valores arbitrários ou da memória de acontecimentos anteriores, parece altamente desejável – o caminho para uma vida sem preconceitos. Na prática, porém, essa análise imparcial é quase impossível: somos limitados por vieses do cérebro, isto é, seus “pré-conceitos”. E isso não é ruim.

Muitas vezes é preciso decidir e agir rápido. Visitando um país desconhecido, você acreditaria que é viável andar de ônibus? Você confiaria sua câmera a qualquer passante para tirar uma foto sua? Boa parte do que fazemos e decidimos tão rápido depende de ideias que o cérebro formula automaticamente a partir de generalizações baseadas em nossas experiências prévias, antes que nos demos conta do processo. Esses são nossos pré-conceitos: noções concebidas anteriormente, prontas para serem usadas na hora do aperto, quando uma decisão rápida for necessária.

Quando bem fundamentados em experiências, os pré-conceitos costumam se mostrar acertados e úteis, pois refletem regras aprendidas ao longo da vida. Voltemos ao país desconhecido: ônibus conservados em geral possibilitam uma viagem mais segura; ruas limpas, iluminadas e cheias de transeuntes tendem a ser tranquilas; uma pessoa bemvestida tem boas chances de saber operar sua câmera – e de não sair correndo com ela.

Por serem altamente pessoais, os julgamentos automáticos ajudam a tomar as decisões mais ajustadas para cada um. Eles são amplos e transparecem em várias ocasiões. Por exemplo, não é preciso processar de forma consciente os atributos físicos e intelectuais alheios para sentir quem nos atrai. A atração acontece antes da explicação, como uma racionalização pós-fato.

Contudo, alguns julgamentos não são baseados em experiências, mas apenas em valores pessoais que não necessariamente correspondem à realidade. São fundados em temores injustificados, em doutrinas arbitrárias ou dogmas religiosos ou políticos. Esses são os “pré-conceitos preconceituosos”. Infelizmente não faltam exemplos: homens devem ser mais inteligentes do que mulheres, negros são mais violentos que brancos, seguidores desta, daquela ou de nenhuma religião são imorais e pouco confiáveis.

Curiosamente, é comum que as próprias pessoas que são alvo de discriminações desenvolvam preconceitos no mesmo sentido. Um estudo com voluntários americanos constatou que a amígdala cerebral, fonte de respostas emocionais automáticas, reage mais veementemente, o que sinaliza ansiedade, a retratos de rostos desconhecidos de negros – isso ocorreu tanto nos participantes negros como nos brancos. Da mesma forma, todos associaram mais facilmente palavras negativas aos primeiros, e positivas aos últimos.

Preconceituosos ou não, a questão é que os pré-conceitos influenciam nossas escolhas e o que deveria ser vantagem vira problema quando nossas decisões prejudicam os outros sem qualquer razão. Felizmente, o próprio cérebro tem a solução, quando quer: o córtex pré-frontal, ao se reconhecer infundadamente pré-conceituoso, é capaz de vetar opiniões, decisões e até ações. Leva tempo e requer esforço, é verdade. Mas vale a pena. É a diferença entre ter pré-conceitos, o que todos temos, e deixar que eles se transformem em ações preconceituosas.


Disponível em <http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/controlando_o_preconceito.html>. Acesso em 07 set 2012.