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sábado, 24 de novembro de 2012

Seduções íntimas

Paola Emilia Cicerone

Há peças de roupa feminina que servem para cobrir, proteger ou esquentar – e existem aquelas que escolhemos para instigar o prazer daqueles que desejamos atrair. Qualquer que seja a motivação da escolha, aquilo que vestimos – ainda que junto à pele, longe do olhar da maioria das pessoas – faz revelações sobre nossos medos e fantasias. Embora hoje as rendas e os lacinhos já não estejam tão escondidos, até há poucos anos sutiãs, calcinhas, combinações, anáguas e corpetes, sempre em cores discretas, eram encontrados apenas em lojas de armarinhos ou nas prateleiras dispostas disfarçadamente nas grandes lojas. Atualmente a roupa íntima é um fenômeno de moda presente em campanhas publicitárias famosas; tornou-se um aspecto da cultura. Quem não se lembra, por exemplo, do comercial dos anos 80 cujo tema era o “primeiro sutiã”, ou do advento do modelo wonderbra, que inaugurou as curvas falsas? 

“Essas peças estão em uma posição ‘intermediária’ entre a pele e o tecido das roupas comuns; é essa carga simbólica que faz com que um corselete cause um impacto visual muito diferente daquele provocado por um maiô inteiro, que também cobre – ou deixa de cobrir – exatamente a mesma extensão do corpo de uma mulher”, afirma o semiólogo Ugo Volli, pesquisador da Universidade de Turim. Até o século 18, porém, eram os homens que usavam meias e ligas para deixar as pernas e até os genitais à mostra. As calcinhas também são uma invenção moderna. “No passado, acreditava-se que a mulher deveria ser ‘aberta embaixo’, uma ideia que ainda permanece disfarçadamente presente no imaginário erótico e é expressa por meio de imagens como a de Sharon Stone no filme Instinto selvagem, de 1992”, ressalta Volli. Segundo o estudioso de sistemas de signos e símbolos, essa crença, que estimula a fantasia de descobrir algo “secreto”, pode explicar por que os homens preferem, por exemplo, as meias femininas que vão até a altura das coxas, em vez dos modelos inteiriços. 

“O fascínio da roupa íntima está na brincadeira do vejo/não vejo que atrai a atenção para as zonas erógenas, o que faz com que estar vestido seja, em geral, mais erótico que ver o corpo completamente nu”, afirma o psicólogo e terapeuta de casais Giuseppe Rescaldina.

O pesquisador dinamarquês Per Ostergaard lembra que, em certas situações, usar determinada roupa é uma espécie de ritual, um momento de passagem: há peças que, na intimidade, despertam o imaginário erótico e permitem ao casal encarnar o que ele chama de “personagens de si mesmos”. Em geral a renda branca, por exemplo, evoca a ideia de pureza; já a cor preta costuma ser associada à ideia de mistério e sofisticação. Para grande parte das pessoas o vermelho vivo lembra tanto sensualidade quanto transgressão, enquanto estampas que imitam pele de animais podem remeter ao erotismo e à sensualidade. Embora não haja consenso, fatores culturais também entram em jogo, e persiste um imaginário erótico constantemente incrementado pela mídia. O fato é que a roupa íntima “fala de nós” e nos permite viver diferentes papéis. Talvez por isso a renda transparente, o corselete e as meias 7/8 continuem sendo tão atraentes por tantas décadas. Embora a tecnologia proponha cortes e tecidos confortáveis outrora inimagináveis, as imagens que realmente seduzem são as da roupa íntima que parece ser usada justamente para ser tirada.

LIMPO E CONFORTÁVEL

Já para os homens, a visão é um dos sentidos fundamentais para alimentar a excitação, enquanto mulheres costumam se voltar para o conjunto. Não é à toa que a maioria delas conseguem manter vários focos de atenção simultaneamente. “Trata-se de uma herança da época na qual o macho deveria escolher uma parceira com a qual propagar os próprios genes, por isso se voltava para detalhes, enquanto a fêmea precisava de um companheiro para criar a prole, e fazer essa avaliação exigia observar o conjunto com um olhar mais abrangente”, observa o sexólogo Fabrizio Quattrini, presidente do Instituto Italiano de Sexologia Científica, em Roma. É por isso que peças transparentes em cores que se destacam do tom da pele, cobrindo (e ao mesmo tempo evidenciando) as zonas erógenas excitam tanto os homens. Ou pelo menos grande parte deles. 

A cor da pele, em geral, é menos apreciada porque lembra demais a própria carne – e a suavidade, remetendo à realidade concreta, causando uma dicotomia entre carinho e paixão. “Simplificando, podemos afirmar que homens apreciam elementos que ‘forçam’ e ressaltam a imagem, que em nossa imaginação poderiam ser usados por um travesti ou uma prostituta. O vermelho forte, o sutiã que realça os seios ou a bota de salto fino superalto têm algo de tentador e ao mesmo tempo de proibido”, comenta a sexóloga Chiara Simonelli. “É uma espécie de fantasia que, para algumas pessoas, ajuda a acordar os sentidos, dá asas à imaginação e permite experimentações que, se estivessem vestidas de forma ‘comum’, dificilmente fariam”, diz. Neste contexto, a preparação até que a roupa seja exibida ao olhar alheio – a escolha da cor, dos detalhes, da maquiagem, a admiração da própria imagem antes, no espelho, e o momento da surpresa para o parceiro – compõe um ritual de apropriação de aspectos nem sempre óbvios da personalidade. A sexóloga ressalta que a característica arcaica da sensibilidade masculina é despertada por estereótipos, o que faz com que elementos eróticos pareçam especialmente interessantes. Essa produção pode, em determinados casos, apresentar-se para o homem como a sedutora imagem da mulher que se oferece a ele como um presente e, assim, o reafirma em seu papel dominante – na prática, um lugar cada vez menos efetivo. 

Já o olhar feminino costuma valorizar o conjunto, o que torna as mulheres mais benevolentes. Elas demonstram preferência por roupas íntimas masculinas que combinem conforto, elegância e higiene. Antigamente, um homem que dedicasse muita atenção à própria roupa de baixo seria classificado como pouco viril. Hoje, embora esse interesse exagerado continue a ser uma característica do universo homossexual masculino, a afirmação da própria imagem já comporta a descoberta do cuidado com o corpo e – algo antes impensável – maior preocupação com a roupa de baixo.

MELHOR SEM ROUPA?

Para muitas mulheres, o uso da lingerie pode ajudar a enfatizar ou resgatar a feminilidade: em muitos casos, admirar-se ao espelho com um conjunto bonito de calcinha e sutiã é um recurso para fazer as pazes com o próprio corpo – e aceitar que não é necessário ser perfeita para ser bonita, sensual e desejada. Segundo Ostergaard, porém, a roupa íntima sedutora traz contradições. Ao mesmo tempo que reforça a autoestima, pode exaltar inseguranças. Serve para realçar a feminilidade e tem o “poder mágico” de enfatizar a feminilidade, particularmente apreciada em uma época na qual as diferenças de gênero têm sido suplantadas. E existe quem se refira à lingerie como um estímulo a experimentações em relação à própria sexualidade. Essas peças, no entanto, têm sido um instrumento de controle do corpo feminino, aproximando-o do estereótipo imposto pela mídia: para se sentir bem com determinadas produções é indispensável aderir aos padrões estéticos oficiais. É como se as mulheres tivessem interiorizado certa imagem sem se dar conta de que ela não tem nada de natural, de que é apenas o resultado de recursos para aumentar o volume das formas ou sustentá-las. Isto também acontece porque aumentou a oferta de peças que antes pareciam reservadas a strippers ou garotas de programa. 

Parece, contudo, que a maioria não aprecia os excessos e prefere se mostrar sensual, em vez de declaradamente sexy. “Não seria exagero dizer que cada vez mais mulheres reconhecem o cérebro como o instrumento de sedução por excelência”, ressalta o sociólogo Francesco Morace, da empresa Future Concept Lab, especializada em pesquisas de opinião e comportamento. De qualquer forma, independentemente da classe socioeconômica, quase todas as mulheres têm alguma roupa íntima “especial”, embora o significado do termo seja subjetivo. Algumas valorizam seda e laços, enquanto outras preferem um conjunto clássico de calcinha e sutiã ou guardam com cuidado aquele que “deu sorte” em determinada ocasião. As peças adquirem valor simbólico, tanto que muitas vezes são guardadas de uma maneira diferente e não são emprestadas nem mesmo para as amigas mais íntimas com as quais se poderia tranquilamente dividir um biquíni, por exemplo. 

E não se pode esquecer que existe uma roupa íntima certa para cada ocasião. “Elas são escolhidas como um instrumento de comunicação com base em quem imaginamos encontrar”, observa Volli. Existe aquela para mostrar ao médico, às colegas da academia de ginástica e para o parceiro em uma noite especial. Não raro, as mulheres reservam a melhor calcinha para a noite em que sabem que irão para a cama com alguém. E há até aquelas que evitam um encontro íntimo quando não estão usando uma peça que não lhes pareça suficientemente adequada.

Parece não haver dúvida de que a roupa íntima serve para seduzir, “esquentar” o relacionamento ou, em alguns casos, simplesmente garantir mais segurança quando chega o momento de tirar a roupa. “De fato a escolha da lingerie pode ajudar a trazer de volta o componente lúdico de uma relação, o que é certamente positivo, mas é preciso que haja certa cumplicidade entre o casal para que ambos se divirtam”, afirma Volli. 

E obviamente há o risco de que a mulher que apostou numa roupa íntima sexy tenha alguma desilusão. Isto acontece quando, por exemplo, o conjunto comprado com tanto cuidado não recebe nenhum comentário, já que alguns homens (ainda) consideram os elogios como um sinal de fraqueza. E quando se recebe a lingerie de presente? “O gesto expressa desejo de intimidade e pode abrir possibilidades de diálogo”, acredita Rescaldina, embora muitas vezes os artigos escolhidos pelos parceiros sigam mais o próprio imaginário que as formas de quem deve usá-los. 

Na opinião do psicólogo, um look ousado, composto de meias aderentes, cinta-liga e sapatos de salto alto, exibido por quem sempre usou roupas folgadas tanto encanta quanto assusta o parceiro, principalmente se a relação passa por uma crise. A atitude feminina provocativa, principalmente quando surge de forma repentina, pode amedrontar homens mais inseguros, que tendem a ver a ousadia ou a sensualidade explícita de forma desvinculada do afeto que consideram “condizente” com uma relação estável. Apesar das transformações sociais e culturais, em alguns segmentos da sociedade o preconceito ainda ronda o imaginário coletivo marcado pelo machismo. E mesmo que inconscientemente, muitas vezes prevalece o conceito arcaico de que a fêmea é uma presa a ser dominada. Por isso, a maneira como uma mulher se veste (ou se despe) para se colocar no lugar de objeto de desejo do parceiro pode fazer com que ela seja vista como uma ameaça, um perigo, já que terá aquele que a quer sob seu domínio. Nesses casos, em vez de obter o resultado esperado, uma produção mais ousada pode surtir resultado oposto. E no lugar da atração, surgir o medo e, consequentemente, a rejeição. E poucas frases são menos bem-vindas do que a pergunta: “Mas o que você está vestindo?!”. 

Embora grande parte dos homens tenha ideias bastante precisas sobre seus gostos em relação ao vestuário feminino – , e não poderia ser de outra forma, tendo em vista a frequência com que certas imagens são alardeadas pela publicidade e oferecidas pela mídia – muitos realmente não se interessam por essas peças. Pensam que, quando se chega ao ponto de ver a lingerie, o jogo de sedução já está em andamento, e são sinceros quando afirmam que preferem a parceira simplesmente “sem roupa alguma”. 

A orientação dos especialistas para evitar decepções? Sondar a opinião do parceiro antes de fazer uma surpresa. De preferência, escolher peças que deixem quem usa à vontade – permitindo-se brincar com o imprevisível e com a sensualidade, porque talvez o mais importante não seja a roupa em si, mas o modo como ela é usada e toda a fantasia que evoca. Afinal, com atmosfera certa, até o agasalho macio e confortável pode mexer com a imaginação.

Disponível em <http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/seducoes_intimas.html>. Acesso em 15 nov 2012.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Carros: paixão masculina

Emanuela Zerbinatti

O automóvel é um dos ícones mais poderosos da modernidade, um elemento fundamental, presente na paisagem urbana e determinante na mudança de costumes, estilos de vida e comportamentos. Ainda hoje, mais de um século após sua invenção, é o símbolo da passagem veloz para um futuro cada vez mais avançado, em direção à perfeição tecnológica. De fato, o carro mudou a maneira de percebermos o tempo e as distâncias, alargou horizontes – fez com que nos tornássemos “auto-móveis”. Às vezes nos esquecemos de que se trata de uma máquina e a consideramos quase uma prótese do corpo, capaz de conferir potência e velocidade. Esses atributos, historicamente associados ao sexo masculino, não parecem seduzir tanto as mulheres. Para a maioria delas, o carro é um instrumento como outro qualquer. Para eles, é um objeto de desejo, alvo de afetos intensos. 

Para o psicólogo Francesco Albanese, presidente do laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento em Psicologia (Psicolab), na Itália, que há anos estuda psicologia do trânsito, para entender onde nascem essas diferenças é preciso voltar a Sigmund Freud e à psicanálise. Por estar associado subjetivamente a atributos considerados viris, como velocidade e potência (idéia amplamente reforçada pela propaganda), o carro se presta melhor a ser alvo de um processo de identificação masculina. E onde há identificação, há projeção da própria personalidade. Não por acaso, o homem tende a revestir o carro de significados simbólicos, a ponto de humanizá-lo como se fosse uma garota a ser cuidada ou uma mulher a ser amada. 

Os homens – ou pelo menos grande parte deles- – se tornam incrivelmente mais profundos quando o assunto é carro: não basta olhá-lo, é preciso vivê-lo e senti-lo com os cinco sentidos. Já as mulheres se permitem usar o veículo e, quando ele deixa de ser adequado às suas necessidades práticas, não lhes parece tão doloroso trocá-lo por outro. E, na maioria dos casos, limitam-se à estética e avaliam a relação custo–benefício. Raramente se ouve falar, por exemplo, de uma mulher que “se apaixonou” por um carro antigo e empregou tempo livre e economias na tarefa de restaurar o veículo. 

COM A FAMÍLIA
Se colocarmos homens e mulheres à mesma mesa para falarem de carros, o efeito pode ser hilário, garantem os psicólogos que trabalham com marketing: enquanto eles procuram um modelo potente e veloz, elas querem um produto seguro e, de preferência, fácil de estacionar. Eles adoram o som do motor, elas querem silêncio (até porque desejam ser ouvidas quando falam). Em geral, homens se inebriam com o cheiro de carro novo; muitas mulheres ficam enjoadas com o odor. No carro deles não há quase nada; no delas, tem de tudo – de batom a guarda-chuva, de revistas a peças de roupa. Essas diferenças têm grande importância para os estudiosos da psicologia do consumo e para os especialistas em publicidade. Até há pouco tempo era tudo mais simples: o carro era usado (e adquirido) pelo “pai de família”.

Hoje, porém, não é mais assim. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), de 2006, o total de mulheres chefes de família no Brasil aumentou 79% em dez anos, passando de 10,3 milhões, em 1996, para 18,5 milhões no ano passado. No mesmo período, o número de homens responsáveis pela família aumentou 25%. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE), houve crescimento acentuado no número de mulheres casadas que assumem as rédeas da família. Esse percentual saltou de 9,1% em 1996 para 20,7% em dez anos. E quem tem o dinheiro também é, na maior parte das ocasiões, quem decide quando e como gastá-lo. Portanto, é preciso oferecer um veículo que responda às expectativas do potencial comprador – um mecanismo denominado personalização. 

Assim, as propagandas de carros “femininos” trazem referência a valores como amizade, bem-estar e elegância; apresentam mulheres esguias e charmosas (mas nunca excessivamente belas, apenas o suficiente para que a consumidora se identifique com a modelo). Por outro lado, nos comerciais de carros mais “masculinos”, os automóveis superequipados viajam por entre belas paisagens, sugerindo o quanto pode ser emocionante e desafiador descobrir novos caminhos. 

Em linhas gerais, a mensagem que a publicidade tenta passar toma por base a teoria freudiana: o homem anseia por ser forte e livre – e cultiva intimamente a fantasia, trazida da infância, de que poderá experimentar a completude, sem que nada possa detê-lo. Entre essas duas formas tão diversas de olhar para o automóvel coloca-se um novo alvo que vem tirando o sono de muitos publicitários: o carro da família. O que há de convidativo num carro em que devem caber cadeirinhas de segurança para crianças, o carrinho de bebê, a sacola de fraldas e um monte de bichos de pelúcia?

O carro para a família fez nascer, na mente dos psicólogos de marketing, um novo modelo masculino, o do homem de terno, obviamente com uma mulher jovem e bonita ao seu lado (mas não tão sensual a ponto de criar antipatias inconscientes nas companheiras que colaboram com a compra). E, claro, não podem faltar os filhos sorridentes; esse novo homem saboreia a liberdade, mas quer partilhar seus melhores momentos com a família, desfrutando o conforto que a tecnologia oferece. Essa espécime contemporânea deve saber que a verdadeira essência do macho não está em mergulhar em águas barrentas para apanhar um jacaré com as próprias mãos – mas em recuperar um coelho de pelúcia que a menina chorosa perdeu. Para depois retornar triunfante para seu domesticado off-road 4x4.

COMO SE FOSSE A CASA
Que demonstre mais ou menos seus sentimentos, pouco importa: em geral, o homem dedica ao próprio meio de transporte atenções que não reserva para nenhum outro objeto. O mesmo indivíduo que nem sonharia em dar uma enxaguada nos pratos sujos na pia num fim de semana é capaz de ficar debaixo de um sol escaldante aguardando para deixar brilhante o tão amado veículo. A mulher, por mais que seja preocupada com limpeza e atenta à organização doméstica, raramente se porta da mesma forma em relação ao carro: na maioria das vezes, leva o veículo para ser lavado quando está sujo e não se incomoda em acompanhar cada etapa do serviço. Afinal, para ela, a casa é uma parte de si, mas o carro absolutamente não é.

A mania por brilho, tipicamente masculina, também fez florescer uma verdadeira indústria de detergentes, ceras e polidores, sem falar nos sprays para painéis com “cheirinho de novo”, exatamente aquele cheiro “eau de plástico” que as mulheres realmente não suportam. Já os homens dificilmente toleram os perfumes para ambientes, tão bem aceitos por elas. 

Essas diferenças foram estudadas também com métodos científicos: recentemente, um grupo de psicólogos da Universidade Harvard mostrou para homens e mulheres imagens de carros brilhantes e sujos, novos e velhos, e assim por diante, e pediu-lhes que definissem o caráter do proprietário com base no aspecto do automóvel. Para os homens um carro limpo e brilhante está associado ao sucesso social, à estabilidade financeira e ao cuidado com a propriedade. Para as mulheres, um carro sujo é sinônimo de pessoa atarefada, que tem pouco tempo para detalhes insignificantes (mas dentro de certos limites: se o carro, além de sujo, for também velho e tiver a carroceria danificada, ele passa a ser identificado com um fracassado social).

O sexo de um pretenso comprador também influencia os meios usados pelos vendedores das concessionárias, como demonstra um curioso estudo realizado por pesquisadores da Escola de Economia da Universidade Yale e publicado na American Economic Review. Os psicólogos da universidade americana instruíram 300 voluntários de ambos os sexos e de várias etnias (brancos, negros e hispânicos) a negociar a compra de um carro usado. Conclusão: os vendedores tendem a aumentar os preços para as minorias e para as mulheres, ao passo que os homens brancos, valendo-se da mesma negociação, conseguem oferta melhor. E não é só isso: contando com a provável ignorância feminina sobre o assunto, os vendedores “empurram” a elas os carros em pior estado ou modelos menos valorizados pelo mercado.

“Esse fenômeno contradiz as leis da economia, já que, em todos os outros setores, quanto mais abastado parecer o comprador, mais alto será o preço que conseguirá”, observa o pesquisador Ian Ayres, um dos autores do estudo. Segundo ele, no caso de carros, porém, há aspectos específicos a serem considerados. “Cria-se uma espécie de aliança entre o homem comprador e o homem vendedor: ambos deixam-se enredar em intermináveis discussões sobre as qualidades do veículo, da mecânica à carroceria, e desse modo os papéis se confundem: da simpatia nasce o desconto. Para as mulheres e, às vezes, também para as minorias étnicas, se instaura um mecanismo oposto. É como se o vendedor olhasse o carro e dissesse: ´Pobre criatura, em que mãos vai acabar!´.”

VIDAS NO LIMITE
A forma como dirigimos pode ser vista como uma representação de nosso funcionamento psicológico, revelando não só escolhas, hábitos e crenças – muitas delas originadas na infância –, mas também aspectos reprimidos ou disfarçados de nossa personalidade. Há, porém, uma explicação neurobiológica para o fascínio pelas altas velocidades: a consciência (ainda que parcial) do risco desencadeia no organismo reações neurológicas e hormonais. A elevação dos níveis de adrenalina induz à hiperatividade do sistema nervoso e confere uma espécie de euforia artificial que, para alguns, pode resultar em satisfação. 

É o que acontece aos protagonistas do premiado Crash, de David Cronenberg, de 1996, adaptado do polêmico romance homônimo de James Ballard, que está sendo reeditado no Brasil. Nesse caso, os personagens buscam satisfação sexual ao correr como loucos e provocar acidentes.

Parece haver na história a simbologia de uma “contaminação” do ser humano pela máquina, sugerida pela metáfora do carro como prótese do corpo, como fusão entre metal e carne, numa realidade em que as pessoas, para escapar do achatamento afetivo, precisam de uma experiência violenta levada às últimas conseqüências. No filme, as cenas de sexo são frias e mecânicas, não há troca de olhares e, sobretudo, o que satisfaz nunca é o encontro afetivo. As emoções mais intensas são vividas quando os personagens assistem aos vídeos de acidentes.
- Associado subjetivamente a atributos considerados viris, como velocidade e potência (idéia reforçada pela propaganda), o carro se tornou alvo da identificação masculina. 

- A forma como dirigimos pode ser uma representação de nosso funcionamento psicológico, revelando não só escolhas, hábitos e crenças (muitas delas originadas na infância), mas também aspectos reprimidos ou disfarçados de nossa personalidade. 

- O fascínio pelas altas velocidades pode ter explicações neurobiológicas: a consciência (ainda que parcial) do risco desencadeia no organismo reações neurológicas e hormonais. A elevação dos níveis de adrenalina induz à hiperatividade do sistema nervoso e confere uma espécie de euforia artificial que, para alguns, pode resultar em sensação de satisfação.

A identificação do homem com um meio de transporte não é um fenômeno novo: numa época em que o carro nem sequer havia sido remotamente imaginado, a mitologia criou a figura do centauro, um ser de tronco humano num corpo de cavalo. Ao cavalgá-lo era possível adquirir os mesmos dons de velocidade e potência que hoje atribuímos ao carro. Pois, no fundo, existe a consciência de que essas qualidades não pertencem completamente ao homem – mas podem ser comandadas (como uma prótese); surge aí a ilusão de onipotência que faz aquele que guia se sentir capaz de superar qualquer obstáculo. Esse olhar psicológico evoca de imediato a triste realidade dos massacres nas estradas, que quase sempre se devem ao excesso de velocidade e à imprudência.

“Voltando a Freud, podemos pensar que a escolha de chegar até o limite máximo de velocidade do automóvel é, para algumas pessoas, uma forma de compensação, utilizada para nivelar traços pessoais deficitários e ostentar potência e força”, afirma Albanese. O pesquisador alerta, porém, que essa atitude revela um ato falho implícito. “Esses motoristas demonstram exatamente o contrário, pois já é de domínio do senso comum que quem é realmente forte não precisa demonstrá-lo de forma tão acintosa. Ao passarem em alta velocidade, colocando em risco a própria vida e a dos outros, esses indivíduos desafiam a lei, a física e também a morte. O próprio desejo de possuir carros barulhentos remete ao espírito do guerreiro ancestral: seria possível incutir medo no exército inimigo se não produzíssemos nenhum som?”

Talvez não por acaso o potente centauro da Antigüidade estava a serviço de Marte, deus da guerra, e era, com efeito, violento e arrogante. “De fato, de carro a maioria das pessoas se sentem muito mais prontas para suas próprias guerras pessoais (quaisquer que sejam elas). Nesse nicho nos sentimos protegidos, escondidos da visão dos demais pelos vidros, pelos reflexos e pela própria distância física, como se estivéssemos num tanque de guerra. O outro lado da moeda é que o outro tampouco estará completamente visível para nós e, portanto, não é identificado como uma pessoa digna de respeito ou piedade.”


Comportamento humano no trânsito. Maria Helena Hoffmann, Roberto Moraes Cruz e João Carlos Alchieri. Casa do Psicólogo, 2003.

Psicologia do trânsito: conceitos e processos básicos. Reinier J. Rozestraten. Epu/Edusp, 1998.

Psicologia ambiental e psicologia do trânsito: uma agenda de trabalho. H. Günther. Série Textos de Psicologia Ambiental, nº 8. Laboratório de Psicologia Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), 2004. Disponível em www.unb.br/ip/lpa/pdf/08PAePT.pdf.

Disponível em <http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/carros_paixao_masculina.html>. Acesso em 01 out 2012.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Por que elas desejam os gays?

Nathalia Ziemkiewicz
16/12/2011 20h28 - Atualizado em 18/12/2011 15h56


A publicitária Juliana Sanches, de 28 anos, esbarrou num vizinho no prédio em que morava e se apaixonou. Era o homem perfeito, na porta ao lado: lindo, cheiroso, sensível, atencioso, bem vestido e bem-sucedido. Faltava só o cavalo branco estacionado na garagem. Pouco tempo depois, ela o encontrou numa balada. Ele beijava outro cara. “Ele era o sonho de qualquer garota. Decidi que faria ele virar heterossexual”, diz. Juliana e o vizinho ficaram amigos. Por um mês, ela investiu na relação com a malícia de quem quer mais. Um dia ele cedeu, os dois se beijaram no apartamento. Namoraram três meses, mas o clima não esquentou. “Uma árvore causava nele a mesma reação que uma mulher pelada”, diz a publicitária. Ela diz que agradeceria se ele fosse ao menos bissexual.

O desafio de Juliana parece ser compartilhado por um número cada vez maior de meninas. Elas querem um gay para chamar de seu. O assédio feminino é tão frequente que muitos gays reclamam. As marias purpurinas – apelido dessas garotas que se encantam por homens muitas vezes de voz afeminada e trajes extravagantes – vão a casas noturnas voltadas para o público homossexual para se divertir. E, na falta de héteros no local, paqueram os gays. “Elas atacam mais que as bichas!”, diz o blogueiro e DJ Daniel Carvalho. “Falo na hora que comigo não rola, mas elas passam a mão e ficam em cima. Sempre dou um jeito de fugir.”


A mensagem:
Para todos
Os jovens estão relativizando os rótulos tradicionais da sexualidade
Para os homens
Elas buscam parceiros carinhosos, cúmplices e sensíveis. Mesmo que a relação não inclua o sexo

As marias purpurinas costumam até aceitar que o sexo fique fora da história. Contentam-se com beijos e passeios a dois. J., de 38 anos, gerente de uma casa noturna, namorou por quatro anos um gay. “Era um amor de idosos”, diz, rindo. “Tinha companheirismo e cuidado, mas não sexo.” A intimidade incluía beijos tórridos e banhos a dois. E só. Para garantir satisfação sexual, saíam com outros parceiros.

O fascínio feminino pelos gays é antigo. E sempre pareceu restrito à clássica amizade entre mulher hétero e homem homossexual, nutrida por interesses comuns. Nos Estados Unidos, o termo “fag hag” descreve as meninas que se encantam pelo universo gay. Nos últimos anos, as linhas que definem as fronteiras entre amizade e relacionamento amoroso parecem ter se fundido. O cinema e a televisão captaram rapidamente isso. Na novela A favorita, de 2008, a atriz Deborah Secco interpretava Céu, uma prostituta que casa de fachada com o amigo gay e se apaixona. No filme A razão do meu afeto, lançado em 1998, a personagem de Jennifer Aniston se envolve com o amigo gay. A série americana Will & Grace, exibida entre 1998 e 2006, faz comédia com um casal de ex-namorados. O homem descobre que é gay, mas a dupla continua enrolada. Em sua segunda temporada, o reality show Girls who like boys who like boys (Garotas que gostam de garotos que gostam de garotos) mostra as nuances da amizade entre os gays e suas amigas.

Parte da explicação vem da abertura recente da sociedade. Com maior liberdade para as pessoas assumirem suas orientações sexuais, as mulheres sentiram-se à vontade para experimentar outras possibilidades. E os gays, liberados para se divertir em relacionamentos convencionais. “As novas gerações não querem se prender a rótulos rígidos e definitivos”, afirma o psiquiatra Alexandre Saadeh, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mesmo porque a atração sexual e o envolvimento afetivo não cabem em definições simplórias. Nos estudos sobre sexualidade, algumas teorias sugerem que a mente humana separa sexo de afeto. Os dois podem ser totalmente distintos. “Uma pessoa pode ser homossexual e heteroafetiva”, afirma Saadeh. Um gay pode gostar de transar com homens, mas ter maior afinidade para conversar e se relacionar emocionalmente com mulheres. Assim como um homem pode ser heterossexual, mas homoafetivo. Ou seja, ele se excita com o sexo feminino e se sente mais bem compreendido pelos amigos do sexo masculino.

Mas, segundo os psiquiatras, há outras razões menos libertárias e que, ao contrário, evocam antigos estereótipos para explicar o arranjo curioso entre gays e mulheres. A primeira delas é que, em geral, os gays são fisicamente atraentes. Preocupam-se com a aparência porque precisam chamar a atenção de outros homens, seres que, por natureza, são seduzidos principalmente pelo apelo visual. Ao contrário de muitos heterossexuais, que nutrem com carinho uma barriga de cerveja e se negam a comprar roupas novas, os gays em geral são antenados com o universo da moda e cuidam do corpo. Mantêm aquela barba milimetricamente mal-feita, o cabelo impecável e o perfume recém-aplicado. Tornam-se irresistíveis ao olfato e ao olhar delas. “Já são maravilhosos e perfeitos à primeira vista”, diz Juliana.

A sensibilidade dos homens gays, que os aproxima do modo de pensar das mulheres, é o segundo motivo que explica esse tipo de envolvimento. Para os psiquiatras, os gays entendem melhor a perspectiva feminina nas conversas e ainda conseguem oferecer o ponto de vista masculino. Querem participar da vida e se mostram disponíveis até como companhia nas compras do supermercado. São cúmplices. “Sempre que íamos sair, ele ajudava a escolher minha roupa. Cozinhávamos, dividíamos segredos e dormíamos de conchinha”, diz uma estilista paulistana. Por seis meses, ela manteve um relacionamento com um homem gay. Não tinha relações sexuais com ele nem nutria expectativas de que ele mudasse sua orientação sexual. Mas o pacote beleza-e-cumplicidade oferecido pelo amigo parecia irresistível.

O desafio de converter um gay a heterossexual é outra razão que fascina muitas das marias purpurinas. É uma busca por autoafirmação. Elas se sentem valorizadas por fazer com que um gay traia a própria orientação sexual por alguns beijos com ela. “Ela se sente muito poderosa quando consegue seduzir um homossexual”, afirma Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Sexualidade da Universidade de São Paulo.

Os motivos que levam alguns gays a manter a amizade colorida não são muito diferentes dos alegados pelas mulheres. Na hora da carência emocional, eles também precisam de referências com quem possam contar. As mulheres estão dispostas a oferecer esse vínculo emocional. O estilista A.B, de 27 anos, já namorou três mulheres. Diz ter certeza de que não é bissexual. Mas, quando bebe demais e elas continuam investindo incisivamente, ele afirma que é difícil resistir. Hoje, Alexandre namora outro homem. Diz que ficar com mulheres dá muita dor de cabeça. “Elas se apaixonam de verdade.”


Disponível em <http://revistaepoca.globo.com/vida/noticia/2011/12/por-que-elas-desejam-os-gays.html>. Acesso em 18 dez 2011.